quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Uma importante lição

Sempre tive dificuldade de identificar de onde provém meu ceticismo. Comecei a questionar tudo muito cedo, me interessar por Filosofia muito cedo e fui o primeiro da minha família a me tornar ateu. Na verdade, por muito tempo não conhecia pessoalmente nenhum outro ateu além de mim.

Mas há um evento em minha infância que me marcou muito e acredito ter sido decisivo em minha vida. Foi algo simples, mas profundamente significativo.

Eu devia ter cerca de 7 anos de idade e meu pai viajava muito de avião. Era empresário e toda semana pegava muitos vôos para São Paulo (principalmente), Rio de Janeiro, Brasília e outros. Nestes vôos, frequentemente esbarrava com algumas celebridades: Pedro Bial, Marisa Orth, Jô Soares, jogadores de futebol, etc. Eu ficava fascinado com isso, pois, assim como a maioria das pessoas, tinha as celebridades como super-pessoas, por estarem na televisão, pela adoração de modo geral que a nossa cultura promove às celebridades.

Uma vez meu pai contou que viajou ao lado do Roberto Carlos (o cantor, não o jogador). Achei o máximo, e perguntei se ele tinha pegado um autógrafo. Ele disse que não e eu perguntei o porquê. O que ele respondeu foi mais ou menos o seguinte:

Pra quê que eu vou pegar autógrafo dele? Ele não é superior a mim. Respeito ele, e ele é muito bem-sucedido no que faz, mas assim como eu também sou bem-sucedido no que faço. Nem ele, nenhuma celebridade e nenhum ser humano, possui “poderes” que eu não possuo e está acima de mim.

Eu fiquei paralisado. Isso me fez pensar muito. Era algo muito, muito simples, mas que mudava radicalmente minha forma de encarar o mundo. Se eles eram pessoas assim como eu, mas bem-sucedidos em atividades específicas,  poderiam estar tão errados quanto eu. Assim, se o cara na televisão fala a opinião dele sobre algo, pode ser que ele esteja errado.  Se eu também pensei sobre o assunto e cheguei a uma conclusão diferente da dele, pode ser que eu esteja certo e ele não, já que analisamos as mesmas coisas e ele não tem nenhum poder superior a mim. Posso me equivocar, por não saber de muitas coisas, mas a celebridade não consegue magicamente retirar daquelas mesmas informações que eu tive acesso uma certeza que eu não tenho.

(É em grande parte isso que falei em meu texto sobre autoridade)

Algumas consequências disso foram ruins para meus próprios pais: comecei a questioná-los mais; não aceitava “sim porque sim” e “não porque não”; passei a duvidar de muitas coisas que pra mim eram bem estabelecidas, como a existência de Deus; passei a questionar muito professores e também não aceitar atitudes impositivas e dogmáticas na escola. Como nosso método de ensino tende a favorecer o aluno que acata e repete e punir os que questionam, acabei tendo muitos problemas na escola, sendo expulso de três colégios, tomando incontáveis suspensões e ocorrências.

Mas foi essa mesma atitude que me levou a interessar por filosofia, psicologia, ciência e que fez com que eu sempre mantivesse uma postura crítica diante do que meus professores ensinavam, diante do que lia.

Apesar de toda dor de cabeça que essa minha postura dava a meus pais, meu pai nunca me puniu por questionar. Assim, se eu tomava uma suspensão porque questionei uma fala da diretora (e isso já aconteceu mais de uma vez), meu pai me apoiava. Se eu não concordava que meus colegas batessem em colegas mais fracos e arrumava briga para defendê-los, meu pai me apoiava. Tudo isso para desespero de minha mãe, que sempre pareceu pregar uma submissão inexorável à autoridade.

Não é à toa que escrevo isso tão próximo ao Dia dos Pais. É minha forma de agradecê-lo por quem sou, pelo meu saudável inconformismo que, se um dia me levar muito além, terá sido em grande parte graças a ele.

8 comentários:

  1. bacana seu texto Pedro...parabens a vc e principalmente a seu PAI...

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  2. Muito bom o texto! É bonito quase sem querer, sem melodrama. E essa lição não é simples não. Quem dera a maioria incorporasse isso. A quantidade de pessoas que não entendem algo mas acreditam por força da autoridade...

    Parabéns pelo texto e parabéns para seu pai!

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  3. Adorei o texto! Faço minhas as palavras das pessoas que comentaram acima.

    Me chamou atenção a parte onde fala do nosso sistema de ensino, favorecendo a repetição cega. É verdade isso e como consequência temos um grande desinteresse de quase todos os alunos, pois é natural que se desmotivem dessa forma.
    Mas você propõe alguma solução? Fiquei curiosa, gostaria de ler mais sua opinião a respeito.

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  4. Muito obrigado pelos elogios!
    De fato, tenho muito orgulho do pai que tenho e essa lição, que chamei de simples, foi realmente importante.


    Luciana: Sim, e nem é algo deveras complexo. Ensinar e incentivar os alunos a pensar criticamente, a serem céticos, já é suficientes. Na base de todas as disciplinas deveria estar o ensino de como e pq devem questionar as coisas.

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  5. No meu caso, acho que o que mais contribuiu foi minha mãe dar motivos para que eu desconfiasse das coisas que ela dizia. Inúmeras vezes certifiquei-me que mães e pais mentem, e a partir disso comecei a ficar sensível a situações nas quais os adultos pareciam estar mentindo. Minha mãe relata que minha desconfiança sobre "vida a após a morte" começou desde cedo, por volta dos 4 ou 5 anos de idade. Ela tem isso registrado em um caderninho. E tudo bem: a desconfiança tem seus efeitos aversivos e eu ainda luto para equilibrar as coisas. Mas os efeitos "libertadores", que vêm em paralelo, compensam os custos em dobro.

    Vou tentar falar sobre isso no dia das mães.

    Abraços, Sampaio!

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  6. Muito legal, Daniel!
    Essa questão sobre descobrir que adultos mentem também é algo a se pensar. Não sei até que ponto teve influência em minha própria história, mas é possível.

    E poxa, muita massa sua mãe ter isso tudo registrado num caderninho! Vai ser muito útil na sua futura autobiografia! hehehe

    Abraço

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  7. Pedro... Pedro!
    Menino prodigio, sempre foi assim.
    Mas seu pai é mesmo um exemplo, e ao contrário de mim, alcança seus objetivos. Sempre tive o Adauto como modelo de competencia. Quando o conheci, mero auxiliar na Ericsson, não poderia medir jamais onde ele ia chegar. Mas chegou e hoje, ao seu modo, tem a vida que lhe faz melhor. Hoje, depois de ler seu texto, acredito ainda mais numa frase dele, dita há tandos anos: Se a gente quiser, a gente pode! Ele pode criar você como um homem diferenciado e só por isso merece todos os aplausos.

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