terça-feira, 12 de junho de 2012

Sobre a modéstia

Recentemente lembrei algumas vezes de um texto que escrevi na minha adolescência. Após uma recente piada que fiz sobre modéstia e os comentários a partir dela, decidi publicar esse texto aqui no blog.

Foi escrito quando eu tinha 14 anos e estou postando ele aqui sem modificações. Relendo, vejo vários problemas e fico tentado a reescreve-lo, mas por outro lado gosto bastante de sua crueza e como ele permite quase que eu me observe pelo tempo. Minha escrita, minha pouca preocupação em ser compreendido pela maioria, meu ímpeto, minhas ideias. Não que eu discorde delas hoje - na verdade concordo bastante e essa é uma das razões de posta-lo aqui - , mas colocaria algumas coisas de outra forma, fundamentaria ainda melhor meu argumento com o que sei e penso hoje.

Espero que também gostem dele, assim como, no geral, fiquei bastante satisfeito ao rele-lo. O título original é "Contra a modéstia":






"De todos os valores que são exaltados e por vezes até exigidos, a modéstia é o pior deles. Espera-se que alguém fale de si como menos do que é, que se enxergue como menor, menos capaz ou menos belo do que realmente é e que isso seja virtuoso. Assim, o que no fundo está sendo exaltado são duas coisas: a hipocrisia, de saber ser algo, mas dizer que não é para agradar os outros; e a baixa auto-estima, se de fato acredita nessa modéstia, diminuindo a si ou à sua habilidade (e teria de ser uma diminuição para ser modesto: ninguém diria que um pintor ruim que diz não ser um grande pintor está sendo modesto; apenas os pintores bons que digam o mesmo o são).

                E por que toleramos – mais, exaltamos! – a modéstia então? Certamente não gostamos quando outra pessoa nos diminui ou é hipócrita conosco, mas apenas consigo mesmo. Pois aí parece residir a raiz desta moral: fazer pouco de si é uma forma de deixar o outro, uma criatura insegura que se sente ameaçada pela capacidade alheia, mais à vontade. Louvamos a modéstia porque alguém se diminuir faz com que não nos sintamos tão afrontados, tão incomodados com a capacidade alheia: “Ufa, ele não sabe que é tão bom assim, posso estar diante dele sem me sentir um verme”. É, realmente, uma moral de vermes.


                Pois me parece que o problema esteja justamente em quem espera ou reverencia a modéstia. Não deveríamos nos sentir afrontados por alguém ser melhor do que nós em algo ou, mesmo que não seja melhor do que nós, reconhecer ser bom naquilo. Ser realista com relação às suas habilidades deveria ser, este sim, um mérito, não uma afronta. E se alguém é incapaz de lidar com as diferenças de habilidade entre si e os demais, se tem o espírito pequeno a ponto de exigir que se diminuam para que lhe deixem mais confortável em seus recalques, deveríamos formatar nossa moral pela régua desse neurótico?

Mario Quintana disse que a modéstia é a vaidade escondida atrás da porta. Nietzsche fez ainda melhor, quando disse: “O verme se enconcha quando é chutado. Essa é sua astúcia. Diminui, assim, a probabilidade de ser chutado novamente. Na língua da moral: humildade”. O que perceberam foi justamente que o modesto é aquele que aprende que a modéstia (ou humildade, nas palavras de Nietzsche) é louvada e que, por consequência, podem ser louvados pela sua modéstia ou ao menos evitam apanharem novamente - lidarem com ofensas, incômodos, desprezos alheios quando falam de forma realista sobre si. Há realmente uma grande vaidade e uma grande astúcia nessa posição: a vaidade e astúcia do hipócrita, que aprende a mentir para receber os louros.

Já há algum tempo que evito ao máximo mentir para agradar. No caso da modéstia, me recuso a ser hipócrita apenas por que nessa forma ela é aceita em nossa sociedade, reverenciada até. Felizmente não sofro da doença da baixa auto-estima para ter uma visão tão distorcida de mim que não reconheça ser bom em algumas coisas. E me recuso a achar correto e medir minhas ações pela régua de quem acredita que eu deva falar de mim como um patife, como um monge ou como um neófito. Reservo a régua dos vermes para medir vermes."

14 comentários:

  1. Gosto da tua "agressividade" hehe. Reconheci mil pessoas e situações.

    Me faz pensar nas situações em que fulano é criticado por "se achar". Até que ponto fulano se acha ou sou eu que me sinto inseguro em relação às minhas próprias habilidades?

    Parabéns e publica sempre.

    Abraço.

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    1. Obrigado, Aline. Pois é, tem uma certa agressividade em quase todo escrito meu. Às vezes tento disfarçar, mas é difícil. rs
      Quanto mais antigo, mais explícita minha "agressividade".

      Isso em grande parte era influência do Nietzsche, um dos meus escritores e filósofos prediletos.

      Abraço

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  2. Aplausos. Parabéns rapaz, você fez uma excelente reflexão!

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    1. Obrigado, Nádia! Gosto desse texto também. É uma pena que essa reflexão seja pouco incorporada e ainda assim tenhamos grande dificuldade em lidar com pessoas que evitam a modéstia (o que é diferente de serem ostensivas e pavoneadoras).

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  3. Se você escreveu isso quando tinha 14 anos, realmente não tem razão nenhuma para ser modesto. rs
    Mesmo hoje ainda é uma excelente reflexão e muito bem escrita.
    Parabéns

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  4. "E se alguém é incapaz de lidar com as diferenças de habilidade entre si e os demais, se tem o espírito pequeno a ponto de exigir que se diminuam para que lhe deixem mais confortável em seus recalques, deveríamos formatar nossa moral pela régua desse neurótico?"

    Neste trecho fica claro seu passado 'negro' como psicanalista!

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    1. Hahahahaha

      Na verdade, nessa época eu havia lido apenas uma coisa sobre Freud. Era um livro introdutório em forma de QUADRINHOS (!), bem divertido, chamado "Freud para principiantes".

      O "neurótico" é mais em um sentido senso comum. Nietzsche mesmo usava bastante essa palavra. E "recalque" é uma das poucas expressões psicanalíticas que eu conhecia e sabia usar bem. rs

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    2. Pedro, por que rejeitou a abordagem psicanalítica?

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    3. Ops, desconsidere! agora eu vi que já tratou disso em posts no blog.
      Abraço!

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    4. Na verdade, nos textos do blog abordei aspectos secundários, como explicitei na primeira parte do texto. O principal motivo eu disserto melhor em minha monografia de conclusão de curso.

      Abraço!

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  5. Vejo a modéstia muito mais inofensivamente. Acho que pelo contrário, ela não faz denegrir a si próprio e sim dá um espaço, umas duas ou três lufadas de ar para se respirar, num mundo onde todo mundo julga todo mundo.

    A modéstia dá espaço para que nós falhemos. Como você disse, é questão de ser realista quanto às próprias habilidades. E, se for pra parar pra pensar, ser realista com qualquer habilidade é saber que em certos momentos ela pode ser superior e em outros, falhar miseravelmente. E é aí que está o bom da modéstia.

    Sair se arvorando como o melhor dos melhores serve pra quê, mesmo? Afinal, no primeiro tropeço que você der, vai ser observado com mais intensidade, posto em dúvida, julgado até mesmo pelo que fez bem. Não é o que você diz ou a impressão que passa sobre o que faz que importam, e sim o que você faz. Faça o bom ou o ruim, e pronto.

    Vejo muita gente que "se acha" e é bem mais insegura do que aqueles que louvam a modéstia e se resguardam na tal "baixa auto-estima". No final tudo é máscara e o que vai ficar são suas ações, que serão julgadas como aprouver aos outros, independente do que você pensa sobre si mesmo.

    No mais, ótimo texto, parabéns, bem do seu estilo ao qual você é fiel. Acessarei sempre o blog. Sorte!

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    1. Uma das coisas que eu modificaria no meu texto seria definir melhor a que me refiro e diferenciar de outras acepções do termo. Esclarecer isso que você e outros apontaram.

      Mas gosto de acreditar que, mesmo que de uma maneira quase subliminar, deu pra entender meu ponto.

      No mais, obrigado pelos elogios! E sim, uma das coisas que gostei ao rele-lo foi ver essa "semente" do estilo lá! hehehehe Impressionante.

      Abraços

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  6. Olha, eu tenho 16 anos e mesmo lendo bastante não escrevo tão bem. Parece que escrever é questão de dom, porque esse texto que você escreveu com apenas 14 anos ficou realmente muito bom (apesar de conter algumas falhas). Até suas referências são interessantes. No meu círculo de amigos (a maioria adolescente)quase ninguêm lê nada, que dirá Nietzsche.

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